15 de ago. de 2009

"Eles querem ser você"

Eles querem ser você;
(Autor: Matheus Lara, futuro jornalista)

Eles nem sequer dão conta que você existe. Do outro lado da tela, ou do lado mais profundo da tinta. Eles nunca reparam nos rodapés. Eles querem apenas acordar, pegar uma pequena xícara de café quentinho e ler na varanda a coluna social ou a página policial, enquanto a companheira liga a TV pra saber a previsão do tempo. Chuva. O tempo fecha as estradas, constrói engarrafamentos, destrói encostas e faz com que eles cheguem atrasados para o serviço, para a bronca. Eles opinam. Nunca argumentam. Eles (ou)viram que caiu mais um avião. Eles (ou)viram que uma nova lei entrou em vigor. É incrível, sempre estão corretos! Mostram-se convictos se perguntados sobre suas opiniões em se tratando de aborto, pena de morte, tráfico de drogas... "Acho um absurdo!", "Claro!", "É culpa do governo!". Eles sempre têm razão. Chegam em casa com aquela conversa de cansaço. Sentam no sofá, tiram os sapatos com os pés, esticam as pernas e ligam a TV. E lá vêm os destaques do dia. É aí que eles reclamam mais do governo, colocam a mão na boca ouvindo histórias, ficam incrédulos sobre a crise. Eles te esquecem com tamanha facilidade que só reparam se no fundo alguém acena, se teve gente morta, se a novela ja vai começar. Eles nem notaram que a chuva que os atrasou não te bloqueou. Que o preço do café que eles tomaram subiu. Que o sol já se pôs. E que você percorreu lugares onde eles com certeza não iriam. Mas formarão opiniões quando virem na TV. Eles não percebem que sem você, eles seriam completos alienados. Estariam apenas jogados no tempo e no espaço. Nem sequer formariam suas tão sinceras opiniões.

É você quem leva a eles o debate, que gera polêmica, que gera conversas (até mesmo em elevadores), que gera amizades, que torna as pessoas mais cultas. Agora eles querem que você jogue no lixo uma identidade. Eles querem que qualquer um possa ser o que você é. Eles querem opinar. Eles querem que os outros vejam que eles podem comentar para todos o que eles comentam entre eles. Parece que querem um simples Sim ou Não. Nada que esclareça, nem que sustente. Eles acham que seu trabalho não é árduo. Ou melhor, nada comparado, claro, ao de sentar numa cadeira de couro preto com uma caneca branca de café expresso do lado, lendo e assinando uma pilha imensa de papéis debaixo de uma refrescante brisa artificial de um ar-condicionado. Eles têm sempre razão. O seu trabalho não depende de locomoção, iluminação, domínio em línguas, coragem e até mesmo sorte como o deles, não é? Locomoção até a firma. Iluminação de um bom abajur de design arrojado. Domínio em línguas para degustar o cafezinho e falar com os empregados. Coragem de ter que encarar alguém pedindo aumento. E sorte, muita sorte, se a mão-de-obra for barata e se conseguirem uma promoção! Eles não querem isso. Querem ser como você. Deveriam primeiro conhecê-lo. O outro lado da tela. O lado mais profundo da tinta. O finalzinho do rodapé. Eles realizariam seu sonho se vissem de perto. Diriam: “Jornalista, vou me lembrar de você!”.

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Um dos melhores textos que eu já li sobre a árdua, mas extremamente recompensante, profissão de jornalista. São muito poucos os profissionais desta área que conseguem alcançar a glória de serem famosos e reconhecidos, tendo um salário excepcional (e há muitos que são famosos e reconhecidos, mas que continuam ganhando pouco) , mas mesmo que ganhando pouco e trabalhando demais, é gratificante. Saber que é você, mesmo que nos bastidores do palco, o responsável pela formação de opiniões, o responsável por mostrar ao mundo justamente o que acontece no mundo. As profissões estão interligadas. Não há quem viva sem economia, sem medicina, sem o direito. Mas somos nós os responsáveis por mostrar ao mundo que elas existem, por mostrar ao mundo os seus avanços, o que acontece, o que já aconteceu e o que eventualmente acontecerá.
Estaríamos alienados, tranquilamente aquietados no interior da caverna de Platão, se o jornalismo não fosse criado, e muito mais que isso, se não fosse importante.

2 comentários:

  1. Matheus, parabéns! Você me fez ler tudo isso e comentar mas eu te amo FSATDFTAYSSUGY. Blog tá legal :D

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